Ser mãe não é um ofício envolto em momentos sempre mágicos, e tampouco é a síntese de conto de fadas que tantas vezes vemos ser propagada por aí. Ser mãe é abrir mão do sono, da rotina própria, do direito de fazer o que se bem entende na hora em que bem entender.
É esse lado obscuro, cansativo e nada galanteador da maternidade que reside o roteiro de Tully, longa metragem estrelado por Charlize Theron e que escancara as malezas de cuidar e educar um filho. Com marcas nítidas na pele e olheiras profundas, a personagem-central, que atende pelo nome de Marlo, se vê às voltas da dificuldade de conciliar uma nova gravidez com o cuidado dos filhos pequenos, sendo que um deles tem nítidas dificuldades de interação e aprendizagem e apresenta sintomas de autismo.
Tudo piora quando ela finalmente dá à luz e entra em uma rotina irreal e exaustiva para cuidar da filha recém-nascida, enquanto o marido Drew (Ron Livingston) se restringe a trabalhar fora de casa e a jogar video game nas horas vagas. Com a sugestão do irmão Craig (Mark Duplass), Marlo acaba acatando à sugestão de contratar uma babá noturna (a Tully do título, interpretada por Mackenzie Davis) para cuidar da filha recém-nascida enquanto ela, finalmente, pode dormir em paz madrugada adentro.
O mérito do roteiro da magnífica Diablo Cody, que venceu o Oscar pelo desenvolvimento da história do excelente Juno, é, mais uma vez, mostrar um viés da maternidade que passa longe das fórmulas prontas e previsíveis que o ofício exige em nossa sociedade. Se em Juno ela abordou a gravidez na adolescência e a decisão de entregar o filho para adoção (não sem antes conhecer a família adotiva e decidir se a mesma era digna de ficar com seu filho biológico), em Tully a ideia de recorrer a uma ajuda no meio do caos do choro de um filho recém-nascido e dos cuidados dos demais filhos pequenos passa por cima de um ideal absurdo e que ainda permeia a maternidade: a noção irreal de que uma mãe dá conta de tudo sozinha.
O desenvolvimento dos diálogos se dá de uma maneira tão leve que a reflexão do “privilégio x necessidade” se faz sentir em altas doses. Se há a condição de contar com uma ajuda a mais para cuidar de um filho, sem delegar os cuidados e a educação do mesmo, por quê não utilizá-la? A aparição de uma babá jovem, que leva jeito com crianças e que não parece recorrer ao ofício como mera necessidade, também escancara o problema, ainda que inconscientemente, da desvalorização dessas profissionais e das mazelas decorrentes do estereótipo esperado para o ofício.
No filme, o acerto se dá, sobretudo, com as sacadas irônicas e deliciosas que a personagem faz em relação ao lado obscuro de ser mãe, que transforma a abordagem da questão em algo leve. Mais do que isso, ela mostra a importância das relações femininas e promove uma reflexão profunda sobre o papel do pai, além de escancarar o machismo nas relações ao abordar o esgotamento físico e mental que as mulheres experimentam quando resolvem, por decisão livre ou por acidente de percurso, parir.
O grande acerto vem com o desfecho da história, que é tão inesperada quanto impactante. Ao final do filme, uma espécie de soco no estômago chega ao espectador, mostrando de uma vez por todas que o buraco é muito mais embaixo. E que não: essa máquina perfeita que inventaram para representar a maternidade definitivamente não existe.
VAI LÁ
Tully
Estreia em 24 de maio de 2018
Direção: Jason Reitman
Roteiro: Diablo Cody
Elenco: Charlize Theron, Mackenzie Davis, Mark Duplass, Ron Livingston e mais.
Produção: Mason Novick, Diablo Cody, Charlize Theron, Beth Kono, A.J. Dix, Helen Estabrook, Jason Reitman e Aaron L. Gilbert.
Distribuição: Diamond Filmes
Classificação Final: ♥♥♥♥ (Muito Bom).
Uma história inspirada na realidade de cada mãe, o que a torna muito interessante. O papel de Tully pareceu excelente para mim. Mackenzie Davis esta impecável é uma ótima atriz, eu a vi no filme Blade Runner 2049. Ela sempre surpreende com os seus papeis, pois se mete de cabeça nas suas atuações e contagia profundamente a todos com as suas emoções. Na minha opinião, Blade Runner foi um dos mehores filmes de ficção cientifica que foi lançado. O filme superou as minhas expectativas, o ritmo da historia nos captura a todo o momento. Além, acho que a sua participação neste filme drama realmente ajudou ao desenvolvimento da história.
Eu não conheço muito os trabalhos dela, mas ela estava tão bem nesse filme que vou ter que averiguar. Valeu pela dica! ♥