Há cerca de dois meses, os cinemas brasileiros passaram a exibir a adaptação de uma das melhores obras da literatura brasileira: O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo. Não se trata da primeira vez que a história sai dos livros pra ganhar atores, cenários e figurinos: em 1985, a Rede Globo exibiu uma minissérie que trazia grandes nomes no elenco, como Glória Pires, Louise Cardoso, Tarcísio Meira e Lima Duarte. No entanto, ao contrário do que fazem muitos críticos de cinema, é inútil comparar os dois. Apesar das horas reduzidas de exibição, o filme se consagrou, pra mim, como o melhor da história do cinema nacional.
Antes de explicar os motivos que me levaram a fazer tal conclusão, vamos a uma explicação genérica: a obra de Veríssimo centraliza na história da formação do Estado do Rio Grande do Sul. Apesar de deter o título presente na trilogia do autor (O Continente, O Retrato e O Arquipélago), a adaptação se concentra apenas na história do primeiro livro. Está lá todo o contexto do Estado, a invasão dos castelhanos, os campos de batalha da Revolução Farroupilha, entre outros elementos da História. Mas são os personagens que realmente comovem tanto o leitor quanto o espectador, com a rivalidade das famílias Terra-Cambará e Amaral.

O filme é contado a partir do olhar de um dos personagens centrais da trama: Bibiana Terra, vivida pela sempre maravilhosa Fernanda Montenegro. Antes de morrer, a matriarca da família recebe a visita do grande amor de sua vida, o Capitão Rodrigo Cambará, vivido por Thiago Lacerda (insira aqui muitos corações apaixonados para o bonitão), enquanto as famílias rivais estão com os olhos em alerta diante da possibilidade de ataques ao redor do casarão.
A partir desse encontro (com uma química lindíssima entre os atores), Bibiana conta a história de sua família ao visitante desde os tempos das Missões, passando pelo romance trágico de Pedro Missioneiro e Ana Terra (Cléo Pires) até o cenário de Santa Fé. É a partir daí que se conhece o motivo da rivalidade extrema entre as famílias, marcada pelo envolvimento de Bibiana (Marjorie Estiano, mais contida na versão jovem) com Rodrigo e a interferência do calhorda e covarde Bento Amaral (Leonardo Medeiros).

Não só o enredo é encantador: o diretor Jayme Monjardim conduziu tudo com muita competência. Os cenários absurdos e a fotografia belíssima dão uma vontade extrema de visitar as terras gaúchas – e de chorar só de olhar o pôr-do-sol. Em vários momentos, o diretor deu closes que tornaram as cenas mais poéticas, como os momentos em que a roca de fiar (marca do trabalho e do sofrimento das mulheres) é centralizada.
A trilha sonora casa muito bem vários momentos do longa e, apesar de muitos reclamarem do ‘tom novelesco’ da direção (seja lá o que isso signifique), eu considero o foco dados aos personagens um acerto. Pela primeira vez, um filme fugiu dos estereótipos mais bestas da violência e um diretor procurou explorar uma trama sob a ótica feminina. Sim, são as mulheres fortes de Veríssimo que ditam o ritmo e nos fazem refletir sobre os dramas atemporais do preconceito, do sofrimento e do machismo, marcado pela violência, pela infidelidade e pelo trabalho incansável dessas mulheres para sobreviver e cuidar da família, sem que esse tom seja destinado a um único tipo de público ou tenha um desenvolvimento cansativo.
Em um dado momento, com os olhos melancólicos e uma voz sussurrada, Fernanda Montenegro cita uma frase marcante: “Minha falecida avó dizia que a sina das mulheres dessa família era chorar, trabalhar e esperar”. Quer dizer: a quantas mulheres essas singelas palavras caberiam mesmo nos dias de hoje? Achei esse olhar do diretor muito sensível. Tão humano!

O projeto não foi pensado como um remake da minissérie, mas como algo totalmente paralelo. Se comparado, pode ser que o filme ainda careça de mais profundidade em certos aspectos, mas isso é inevitável em se tratando do tempo obrigatório que a história tem para se desenvolver.
Como eu disse: é ridículo comparar os dois tanto quanto comparar os atores, que sempre darão suas respectivas identidades aos personagens, respeitando o talento de cada um. Tarcísio Meira foi um Capitão Rodrigo esplêndido, mas não se pode diminuir a competência de Lacerda, que realmente era a figura típica de um gaúcho (ainda que o sotaque falte em certos momentos) e de um homem corajoso, sedento pela vitória e marcado pela inquietude. E se Glória Pires deu uma força descomunal à Ana Terra, Cléo Pires lhe trouxe mais sensibilidade.

Em se tratando da densidade de uma personagem tão complexa e encantadora como essa, há de se pensar em como cada uma vivencia na pele o drama de alguém que perdeu o amor e a família trágica e covardemente, foi estuprada por invasores, mas conseguiu criar o filho sozinha e reerguer a vida como parteira.
Pode ser que as bilheterias ainda não tenha batido recordes absolutos. Afinal de contas, o produto nacional foi carimbado com os maiores clichês da violência e da comédia. Convenhamos: sempre tenho vontade de abraçar quem se arrisca com um projeto que fuja dos roteiros ‘comédia padrão Bruno Mazzeo’ ou desigualdade social. O cinema brasileiro precisa de mais ousadia, de uma quebra de padrões, de histórias que desafiem os mais diversos tipos de expressões.

Um filme de época, que valoriza uma parte da história do Brasil, com a qualidade inquestionável de uma fotografia que faz história no mundo (leia a resenha no Estadão sobre a câmera usada nas filmagens) não pode passar batido aos olhos do espectador. Curiosamente: apesar de todo o drama e de muitas cenas que induzem ao sexo, não há cenas explícitas e tampouco nudez. Sem falsos pudores ou moralismo, mas eu realmente questiono a necessidade disso tudo em alguns enredos. Em certos momentos, o melhor é deixar a delicadeza tomar conta da cena e a imaginação do espectador aflorar, como Jayme soube fazer muito bem nesse caso.
Que mais roteiristas e diretores procurem desafios, sem apelar para o que já foi (e é) feito à exaustão. Meu conselho, como alguém que amou a história de Veríssimo e a minissérie de vinte e oito anos atrás: vale cada minuto. Uma salva de palmas. E um ponto e tanto para os gaúchos, tchê!
VAI LÁ
O Tempo e o Vento
Direção: Jayme Monjardim
Produção: Beto Rodrigues
Direção de Fotografia: Affonso Beato
Elenco: Fernanda Montenegro, Cléo Pires, Thiago Lacerda, Marjorie Estiano, Leonardo Medeiros, Igor Rickli, Rafael Cardoso, Mayana Moura, Marat Descartes, Vanessa Lóes, Matheus Costa e mais.
Classificação Final: ♥♥♥♥♥ (Excelente)
Oi. Comecei agora (na verdade um pouco antes) no wordpress e tento escrever um pouco também. Estou agora passeando pelos blogs. Queria parabenizá-lo pelo texto, é muito bem feito. Boa tarde.
Olá!
Obrigada! Espero que continue acompanhando meus textos. E escreva bastante!
Beijos.